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Publicado em 25/08/2017 às 7:59 - Autor:

Entenda por que as pessoas acreditam em teorias da conspiração

Estou sentado em um trem quando um grupo de fãs de futebol se destaca. Saídos do jogo – seu time venceu claramente – eles ocupam os assentos vazios ao meu redor. Um pega um jornal velho e ri com raiva enquanto lê os últimos “fatos alternativos” vendidos por Donald Trump.

Os outros logo começam a refletir sobre o gosto do presidente dos EUA pelas teorias da conspiração. A conversa rapidamente se transporta para outras conspirações e gostei de escutar enquanto o grupo se enganava brutalmente sobre a Terra, os memes e a última ideia de Gwyneth Paltrow.

Depois, há uma pausa na conversa, e alguém encontra aí uma oportunidade para falar: “Essas coisas podem ser bobagens, mas nem tente me dizer que dá para confiar em tudo que a mídia nos diz! Pegue as missões na Lua, elas foram obviamente falsificadas (e não muito bem). Eu li um blog outro dia que mostrou que nem sequer têm estrelas nas fotos! ”

Para meu espanto, o grupo junta outras “evidências” que apoiam o embuste da Lua: sombras inconsistentes em fotografias, uma bandeira vibrante quando não há atmosfera no lugar e como é possível Neil Armstrong ter sido filmado caminhando sob a superfície quando ninguém estava lá para segurar a câmera.

Um minuto antes, eles pareciam pessoas racionais capazes de avaliar evidências e chegar a uma conclusão lógica. Mas agora as coisas estavam indo por um caminho estranho. Então respirei fundo e decidi entrar na conversa.

“Na verdade, tudo isso pode ser explicado com bastante facilidade …”

Eles se voltaram para mim, horrorizados com o fato de um estranho atrevessar a conversar. Eu continuo indiferente, argumentando com um monte de fatos e explicações racionais.

“A bandeira não vibrou no vento, apenas se moveu quando Buzz Aldrin a fincou. As fotos foram tiradas durante o dia lunar — e, obviamente, você não pode ver as estrelas durante o dia. As sombras estranhas são por causa das lentes de grande angular usadas, que distorcem as fotos. E ninguém pegou a filmagem de Neil descendo a escada. Havia uma câmera montada no lado de fora do módulo lunar que o filmava enquanto dava seu salto gigante. Se isso não for suficiente, a prova final vem das fotos feitas pela Lunar Reconnaissance Orbiter dos locais de pouso, onde você pode ver claramente as faixas que os astronautas fizeram à medida que vagavam pela superfície.”

“Mandei bem!”, pensei comigo mesmo.

Mas parece que meus ouvintes estão longe de serem convencidos. Eles se voltam para mim, fazendo mais e mais afirmações ridículas. Stanley Kubrick filmou o lugar, o pessoal-chave morreu de maneiras misteriosas, e assim por diante…

O trem para em uma estação, que não é a minha, mas aproveito a oportunidade para sair mesmo assim. Me pergunto por que meus fatos concretos falharam tão miseravelmente em mudar a opinião deles.

A resposta simples é que os fatos e argumentos racionais realmente não são muito bons em alterar as crenças das pessoas. Isso é porque nossos cérebros racionais são equipados com uma “fiação” evolutiva não tão evoluída.

Uma das razões pelas quais as teorias de conspiração brotam com tanta regularidade vem do nosso desejo de impor uma estrutura no mundo e da nossa capacidade incrível de reconhecer padrões. Na verdade, um estudo recente mostrou uma correlação entre a necessidade de estrutura e a tendência de um indivíduo em acreditar em uma teoria da conspiração.

Pegue esta seqüência, por exemplo:

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Você vê um padrão? Muito possivelmente — e não está sozinho. Uma rápida pesquisa no Twitter (que replica um estudo muito mais rigoroso) sugeriu que 56% das pessoas concordam com você — mesmo que a sequência tenha sido gerada por mim, lançando uma moeda.

Parece que nossa necessidade de estrutura e nossa habilidade de reconhecimento de padrões podem ser bastante hiperativas, causando uma tendência de detectar padrões — como constelações, nuvens que se parecem com cães e vacinas causadoras de autismo — onde na verdade não há nenhum.

A capacidade de ver padrões foi provavelmente um traço de sobrevivência útil para nossos antepassados ​​— melhor detectar erroneamente os sinais de um predador do que ignorar um gato grande e com muita fome. Mas coloque essa mesma tendência em um mundo rico em informações e veremos vínculos inexistentes entre causa e efeito — teorias de conspiração — em todo o lugar.

Pressão dos outros
Outra razão pela qual estamos tão interessados ​​em acreditar nas teorias da conspiração é que somos animais sociais e nosso status na sociedade é muito mais importante (do ponto de vista evolutivo) do que estar certo.

Consequentemente, vivemos comparando nossas ações e crenças com as de nossos pares, e depois as alteramos para se adequar. Isso significa que, se nosso grupo social acreditar em algo, é mais provável que sigamos o rebanho.

Este efeito da influência social sobre o comportamento foi bem demonstrado em 1961, pela experiência da esquina, conduzida pelo psicólogo social dos EUA Stanley Milgram (mais conhecido por seu trabalho na obediência às figuras da autoridade) e colegas.

O experimento é simples (e divertido) o suficiente para você o replicar. Basta escolher uma esquina de uma rua movimentada e olhar para o céu por 60 segundos.

Muito provavelmente, poucas pessoas vão parar e verificar o que você está olhando — nesta situação, Milgram descobriu que cerca de 4% dos passantes se juntaram. Agora, peça a alguns amigos para fazer a observação cmo você.

À medida que o grupo cresce, mais e mais estranhos vão parar e olhar para o alto. No momento em que o grupo sobe para 15 espectadores, cerca de 40% dos pedestres param e esticam seus pescoços. Certamente, você já viu o mesmo efeito em ação nos mercados onde você se encontra atraído pelo lugar que tem uma multidão ao redor.

O princípio também se aplica poderosamente às ideias. Se mais pessoas acreditam em uma informação, então seremos mais propensos a aceitá-la como verdadeira. E, portanto, se, através do nosso grupo social, estamos excessivamente expostos a uma ideia particular, então ela fica embutida em nossa visão de mundo.

prova social é uma técnica de persuasão muito mais eficaz do que uma prova puramente baseada em evidências, o que mostra, naturalmente, porque esse tipo de prova é tão popular na publicidade (“80% das mães concordam”).

A prova social é apenas uma das muitas falácias lógicas que também nos levam a ignorar a evidência. Uma questão relacionada a isso é o viés de confirmação, essa tendência que faz com que as pessoas procurarem e acreditem nos dados que apoiam suas visões, enquanto desconsideram coisas que afirma o contrário.

Todos nós sofremos com isso. Basta pensar na última vez em que você ouviu um debate no rádio ou na televisão. Quão convincente você achou o argumento que foi contrário à sua opinião em comparação com aquele com o qual concordou?

As chances são de que, seja qual for a racionalidade de ambos os lados, você descartou amplamente os argumentos da oposição ao aplaudir aqueles que concordaram com você. O viés de confirmação também se manifesta como uma tendência para selecionar informações de fontes que já concordam com nossos pontos de vista (o que provavelmente também vem do grupo social que nos relacionamos).

Daí suas opiniões políticas provavelmente ditarão seus pontos de interesse preferidos.

Claro que existe um sistema de crenças que reconhece falácias lógicas, como o viés de confirmação e a tentativa de corrigi-los. A ciência, através da repetição de observações, transforma a anedota em dados, reduz o viés de confirmação e aceita que as teorias podem ser atualizadas diante da evidência.

Isso significa que está aberta a corrigir seus textos básicos. No entanto, o viés de confirmação aflige a todos. O físico Richard Feynman descreveu um exemplo que surgiu em uma das mais rigorosas áreas de ciências, a física de partículas.

“Millikan definiu a carga de um elétron através de um experimentoque baseado na queda de gotas de óleo e obteve uma resposta que agora sabemos ser incorreta. Isso porque ele não tinha o valor certo da viscosidade do ar. É interessante observar a história das medidas da carga do elétron. Se você traçá-la em função do tempo, descobre que o valor da carga ia aumentando cada vez mais, de pouquinho em pouquinho, até que eles finalmente estabelecessem um número.”

“Por que não descobriram que o número certo era o maior de uma vez? Isso é uma coisa da qual os cientistas se envergonham, porque é evidente que as pessoas fizeram coisas do tipo: quando obtiveram um número muito acima do de Millikan’s pensaram que algo deveria estar errado e procurararam até achar uma razão para o erro. Ao conseguirem um número mais próximo ao do valor de Millikan, eles não pareciam tão equivocados “.

Perturbações do mito
Você pode ser tentado a assumir posições em debates nas redes sociais, apontando equívocos e teorias de conspiração através da abordagem do mito. Apontar o mito ao lado da realidade pode ser uma boa maneira de comparar o fato e as impecisões lado a lado, para que a verdade surja.

Mas, mais uma vez, isso acaba por ser uma abordagem ruim, porque parece provocar algo que passou a ser conhecido como o efeito da contrafação, pelo que o mito acaba sendo mais memorável do que o fato.

Um dos exemplos mais marcantes disso foi verificado em um estudo que avaliou um folheto do tipo “Mitos e Verdades” sobre vacinas contra a gripe. Imediatamente depois de ler o folheto, os participantes recordaram com precisão os fatos como fatos e os mitos como mitos.

Mas, apenas 30 minutos depois, isso ficou completamente invertido na cabeça, com os mitos sendo muito mais propensos a serem lembrados como “fatos”.

A ideia é que simplesmente mencionar os mitos ajuda a reforçá-los. E, então, com o passar do tempo, esquece-se o contexto em que você o ouviu — neste caso durante um debate — sobrando apenas a memória do próprio mito.

Para piorar as coisas, apresentar informações corretivas a um grupo com crenças firmemente enviesadas pode fortalecer a visão equivocada, apesar da nova informação que a contradiz.

Novas evidências criam inconsistências em nossas crenças e um desconforto emocional associado. Mas, em vez de modificar nosso pensamento, tendemos a invocar a autojustificação e demonstrar ainda mais o desagrado com teorias opostas, o que pode nos tornar mais enraizados em nossas opiniões.

Isso ficou conhecido como o “efeito boomerang” — e é um grande problema quando se tenta melhorar o comportamento das pessoas .

Por exemplo, estudos mostraram que as mensagens de informação pública destinadas a reduzir o consumo de tabaco, álcool e drogas tiveram efeito reverso.

Fazer amigos
Mas se você não pode confiar nos fatos, como você faz para que as pessoas esqueçam suas teorias da conspiração e outras ideias irracionais?

A alfabetização científica provavelmente ajudará no longo prazo. Por isso, não quero dizer familiaridade com fatos, figuras e técnicas científicas. Em vez disso, o que é necessário é a alfabetização no método científico, como o pensamento analítico.

E, de fato, estudos mostram que descartar as teorias de conspiração está associado a um pensamento mais analítico. A maioria das pessoas nunca fará ciência, mas nós a encontramos e a usamos diariamente e, portanto, os cidadãos precisam das habilidades para avaliar criticamente as reivindicações científicas.

Claro, alterar a grade curricular de uma nação não vai ajudar minha argumentação no trem. Para uma abordagem mais imediata, é importante perceber que ser parte de uma tribo ajuda enormemente. Antes de começar a pregar a mensagem, encontre um terreno comum.

Enquanto isso, para evitar o efeito de contrafacção, ignore os mitos. Não mencione, nem reconheça. Basta levantar os pontos-chave: as vacinas são seguras e reduzem as chances de contrair gripe entre 50% e 60%. Não mencione os equívocos, pois eles tendem a ser mais lembrados.

Além disso, não enfrente os oponentes desafiando sua visão de mundo. Em vez disso, ofereça explicações que sintonizem com suas crenças preexistentes. Por exemplo, os conservadores que negam a mudança climática são muito mais propensos a mudar seus pontos de vista se eles também são apresentados com as oportunidades de negócios pró-meio ambiente.

Mais uma sugestão. Use histórias para mostrar seu ponto. As pessoas se envolvem com as narrativas muito mais do que com os diálogos argumentativos ou descritivos. As histórias ligam causa e efeito, fazendo com que as conclusões que você deseja apresentar pareçam quase inevitáveis.

Tudo isso não quer dizer que os fatos e um consenso científico não sejam importantes. Eles são críticos. Mas uma consciência das falhas em nosso pensamento permite que você apresente seu ponto de uma maneira muito mais convincente.

É vital que desafiemos o dogma, mas em vez de ligar pontos desconectados e chegar a uma teoria da conspiração, precisamos exigir a evidência dos tomadores de decisão. Peça os dados que possam suportar uma crença e uma busca pela informação que o teste. Parte desse processo significa reconhecer nossos próprios instintos tendenciosos, limitações e falácias lógicas.

Então como teria sido a minha conversa no trem se eu tivesse seguido meu próprio conselho… Voltemos ao momento em que observei que as coisas estavam indo por um caminho estranho. Desta vez, respiro fundo e entro na conversa.

“Ei, ótimo resultado no jogo. Pensei que não conseguiria um bilhete. ”

Em breve, estamos em conversas profundas enquanto discutimos as chances da equipe nesta temporada. Depois de alguns minutos de conversa, volto para o teórico lunar da conspiração: “Ei, eu estava pensando sobre aquilo que você disse sobre os pousos da Lua. O Sol não era visível em algumas das fotos?”

Ele acena com a cabeça.

“O que significa que as fotos foram feitas durante o dia na Lua, então, como aqui na Terra, você esperaria ver alguma estrela?”

“Acho que sim, não tinha pensado nisso. Talvez esse blog não seja bom. ”

*Texto publicado originalmente em inglês pelo professor de química e ciência da comunicação na Universidade de Hull.

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